Começo escrevendo já com os olhos marejados. Possivelmente até o fim deste texto estarei com a camisa toda molhada, assim como ocorreu durante boa parte deste DIA BENDITO (como se todos os outros não fossem).
Hoje é dia de São Francisco de Assis. Nosso Padroeiro, Patrono, condutor chefe da nossa vida espiritual. A ele devemos nos espelhar, por tudo que foi em vida e por tudo o que reproduz até os dias atuais.
Como forma de sentir este espírito Franciscano brotando de nossos corações ainda tão áridos desse amor, fomos à colônia Curupaiti, que cuida de Hansenianos, em sua maioria, mas que atende a outros tipos de nefermidades dermatológicas. Levamos, além da nossa boa vontade, alguns utensílios de utilização para os curativos, que são feitos dentro um centro espírita que funciona dentro da colônia, chamado Centro Espírita Filhos de Deus. Uma obra grandiosa erguida por um homem singular, de nome Amazonas Hércules, já desencarnado, que com certeza terá em um futuro próximo uma postagem específica para ele.
Marcamos no CUCA às 10 horas a fim de organizarmos as doações, até porque à tarde iríamos a um asilo em Madureira (que também terá uma postagem). Mas além de observar a descontração no trabalho da organização das doações, víamos um certo ar de preocupação, pois não saberíamos o que iríamos encontrar na Colônia. Será que estávamos preparados para ver tamanho sofrimento? Isso permeava o pensamento de muitos..
Assim que terminamos as arrumações, fizemos uma prece sincera dentro do terreiro, com uma energia sem igual. Inexplicavelmente (pelo menos até àquele momento) a emoção era muito forte, ao ponto de ter de segurar o choro.
Quando chegamos à colônia, nos deparamos com uma cidade dentro de Jacarepaguá! É enorme, tudo muito lindo, com várias ruas, prédios, casas, bares, campos de futebol, Igreja Católica, Batista e o Centro Espírita, no qual nos direcionamos a ele. Não poderíamos ter uma recepção melhor! Fomos muito bem recebidos tanto pelo presidente como pelos colaboradores do centro. Mostraram-nos como funciona o local, muito bem organizado. Dali fomos levados até a sala de curativos...e a partir de agora só emoções fortes...e maravilhosas!
Ao entrarmos, o cheiro de éter e dos demais remédios dava ao ambiente uma sensação de hospital, apesar de ser um local de no máximo 20 metros quadrados. Nas paredes, fotos de Kardec, Bezerra de Menezes, Irmã Scheilla (que merece ser conhecida!Um espírito iluminado), Amazonas Hércules e a figura de Jesus.
Por inspiração divina, Gregório pediu que déssemos as mãos e elevássemos o pensamento ao alto a fim de agradecer por aquele momento. Todos, inclusive os participantes do Centro Filhos de Deus, nos entrelaçamos na fé e ouvimos de Gregório a oração que ainda toca o coração. Gotas de luz eram vindas do Alto. O ambiente se iluminou. E como coincidência (?) no meio da oração sai de um alto falante que estava na rua a melodia da Ave Maria. Neste momento Gregório chama por Maria, a Mãe de Todos nós, que nunca nos abandonou, e rogando aos céus, pede a sua intercessão para aliviar as dores daqueles irmãos...a voz quase não saía... o choro não deixava...e todos nós choramos, inclusive os irmãos do centro espírita. Uma emoção que a minha mente não deixará que o tempo apague.
Quando pensei que minha cota de lágrimas já tinham acabado para aquele dia ( e pelo mês inteiro, diga-se de passagem), fomos conhecer as enfermarias.
Meus irmãos, ali não há tristeza nem sofrimento! Há resignação, aceitação, paz espiritual , alegria daqueles enfermos que estão passando pela provação da Hanseníase. Fomos levados para a ala feminina, onde havia uns 10 leitos, no máximo, de senhoras com idades bastante avançadas e com a dilaceração parcial dos corpos por causa da Hanseníase. Cumprimentamos, abraçamos todas as senhoras. Eu estava já sentado do lado de fora com algumas pessoas do CUCA quando fomos chamados para irmos até um quarto porque uma senhora queria cantar.
Fui. Ao chegar no quarto, pequeno e simples, vi uma senhora dos seus 80 anos, talvez, sentada à beira da cama, de óculos escuros para esconder a cegueira decorrente da Hanseníase. Ela não tinha a perna esquerda e os braços eram atrofiados e não tinha mais quase a totalidade dos 10 dedos das mãos. O rosto também estava um pouco deformado, mas não havia em seu corpo nenhum sinal de ferida. Disse ela que sabia cantar a oração de São Franisco. Ao iniciar, uma voz melodiosa, linda...parecia uma soprano. E acreditem, não estou exagerando. E conforme ela cantava, ali todos choravam. Estávamos diante de uma leprosa (só uso essa expressão fazendo alusão de como chamavam antigamente), como São Francisco tanto os amou há quase 800 anos atrás, e estando ela louvando-o naquele momento. Simbolicamente não poderia ser mais emocionante! Um legado de amor deixado por São Francisco que ainda se perpetuava há exatos 783 anos de seu desencarne. Todos choravam pela simbologia e pela voz, e por saber que Francisco de Assis ali estava...
Quando terminou, batemos palmas animadamente como se ela fosse uma artista em um palco iluminado (e era!). E assim ela continuou cantando mais oura música “Ave Maria do Morro”. Eu já a conhecia, mas a partir de hoje tenho ABSOLUTA CERTEZA de que quando a escutar, chorarei como chorei com a entonação dada por ela... depois cantamos “Quanta Luz”, e terminamos com “Carinhoso”... um sentimento de paz invadiu a todos... e entre uma música e outra, ela disse: “Sou MUITO feliz”.... desculpem, amigos, não tenho como descrever isso...há pobreza de vocabulário para isso....reproduzi numa lágrima, como acontece agora ao me lembrar do momento, meus sentimentos.... de amor, de conhecer tantos espíritos que estão iluminados pela dor da Hanseníase, e pela minha pequenez....por pedir coisas tão inúteis...por preocupações tão passageiras e por brigas tão mesquinhas...tive vergonha de mim. Tive vergonha da minha impaciência no cotidiano, nas oportunidades perdidas. Na alegria que eu deveria ter de viver, mas que por vezes esqueço.
O dia não poderia ter sido melhor. Ao sair, fiz uma prece sentida, agradecendo por tudo que me foi ensinado. Espero, e farei todo o esforço possível, para não esquecer o que todos nós do CUCA passamos ali. Que coloquemos na nossa casa de Umbanda o amor, a fé, a paz e a alegria que encontramos com os nossos irmãos da Colônia. E agradeço a eles pela CARIDADE que fizeram conosco.
Paz e bem a todos!